Geral / 2 de agosto de 2018

A Necessidade da Intervenção do Direito Penal no Âmbito das Relações de Consumo

Indubitavelmente, o Brasil é, historicamente, o país cuja cultura de se levar “vantagem em tudo” (Lei de Gerson), sobrepõe-se reconhecidamente sobre o aspecto social, em nossa nação vende-se um metro de tecido com noventa centímetros; um quilo de carne de secunda como sendo de primeira; coloca-se solvente na gasolina e palha no café, dentre outras abusos ao direito dos consumidores, estes clamavam e ainda clamam pela adoção de medidas austeras para um maior controle estatal das relações de consumo.

Não que houvesse uma ausência total de meios legais neste sentido, pois tanto no nosso Direito Civil quanto no Direito Penal, contemplavam situações de repressão a certos abusos contra os consumidores. No primeiro caso, a lei permitia a satisfação do prejuízo e, no segundo, a repressão das formas mais graves e danosas dos comportamentos ilícitos. Porém, é correto o entendimento de que na esfera civil existe o grave problema da dificuldade de acesso ao Judiciário e, além disso, a própria lentidão a prestação jurisdicional. Do ponto de vista criminal, principalmente sentia-se a carência de novos tipos penais-econômicos.

Com o advento da Constituição Federal de 1988 que dispõe no seu artigo 5º, inciso XXXII, que o Estado promoverá na forma da lei a defesa do consumidor; e o inciso V, do artigo 170, o qual elenca que esta defesa é um princípio a ser observado pela ordem econômica, era a extrema necessidade de proteção aos direitos do consumidor que se mostrava presente na aspiração popular.

De acordo com o comando constitucional surgiu o Código de Defesa do Consumidor, através da Lei nº 8.078/90. O qual é dotado de normas das mais variadas naturezas, tais como, civil, penal, administrativa, processual, com o intuito de tutelar os interesses do consumidor. 

Do ponto de vista penal, no entanto, a tutela dos interesses do consumidor, com as modificações e complementos dados agora pela Lei nº 8.137/90, reflete, em grande medida, aquela visão ingênua mágica, de que fala o Prof. NORBERTO SPOLANSKY, da Universidade de Buenos Aires, segundo o qual “com o Direito Penal se pode resolver todo tipo de problema, desde a proteção da vida até a solução da inflação”.

Não é preciso dizer, que algumas condutas incriminadas provocam o ofuscamento do princípio que preconiza a adoção de “mecanismos alternativos de resolução de conflitos de consumo”, tal com inserto no artigo 4º, inciso V, do Código de Defesa do Consumidor. Muito pior, é a percepção de que muitas condutas criminalizadas ou bem poderiam ser alvo de controle administrativo ou bem resolvíveis no âmbito da transação civil.

A grande quantidade de leis penais, criticada por muitos juristas, demonstra sem sombra de dúvidas que o princípio da intervenção mínima, isto é, que deve-se reservar as sanções penais para os casos mais graves é, no mínimo ignorado.

Frise-se, ainda, a importante lição emanada pelo jurista italiano  FRANCO BRICOLA, atualmente na Universidade de Roma, para o fato de que “o caráter subsidiário do Direito Penal é utilizado mais como slogan do que como projeto real”.

No mesmo sentido, ainda seguindo o ensinamento de BRICOLA, “a tutela extrapenal e administrativa em particular pode oferecer, em determinadas situações, garantia de maior tempestividade e certeza de atuação e, portanto, demonstrar-se mais idônea sob o aspecto da prevenção geral”. Da mesma forma adverte HUNGRIA que o “Estado só deve recorrer à pena quando a conservação da ordem jurídica não se possa obter com outros meios de reação, isto é, com os meios próprios de Direito Civil (ou de outro ramo do Direito que não o penal)”. Mesmo porque, “somente quando a sanção civil se apresentar ineficaz para a reintegração da ordem jurídica, é que surge a necessidade da energética sanção penal”.

Alguns doutrinadores, dentre eles ALBERTO ZACHARIAS TORON, entendem que a maioria das figuras delitivas expostas no Código de Defesa do Consumidor, ou são desnecessárias; ou, por violarem garantias constitucionais e princípios gerais da ciência penal, podem significar um entrave na solução dos conflitos de consumo. Visa-se, portanto, alertar a comunidade jurídica e à sociedade como um todo, para a circunstância de que nem sempre o instrumento mais draconiano (no caso o Direito Penal) é, por paradoxal que possa parecer, o mais eficaz para combater condutas tidas como indesejáveis.

O mais grave, todavia, reside no fato de que por tratar-se de relações costumeiras, do dia-a-dia das pessoas, este codex pode criar, um permanente clima policialesco de “denúncias” de crimes praticados, tal como ocorreu no início do governo Collor, pelos diversos planos econômicos lançados.

Em suma, neste quadro social alarmista, mantido que é por leis repressivas, a modernidade representada pela utilização do Direito Administrativo como instrumento de controle, com a consequente reafirmação do caráter subsidiário do Direito Penal, no Brasil ficará, sem dúvida, afastada pelo surgimento de uma espécie de regime “democrático-policial”.