Geral / 1 de agosto de 2018

A Importância da Proteção Penal do Consumidor

No que pesem os poucos entendimentos contrários, a tutela penal é extremamente importante na proteção do consumidor, tendo em vista o valor irrisório do dano individual e da diversidade dos interesses dos consumidores, com a pouca ou nenhuma atenção prestada às vítimas é o objetivo do Direito Penal punir comportamentos extremamente danosos e socialmente reprováveis quando analisados de modo geral, ou seja, quando vistos no contexto da sociedade de consumo como um todo.

Se nos atermos à doutrina alienígena, verificaremos que esta aponta que “a proporção de reclamantes que estão dispostos a ingressar em juízo, com o intuito de ter seus direitos respeitados, é mínima. Este fato é determinante para que os fornecedores adotem práticas negligentes e irregulares sem punição, pois, se há possibilidade de ficarem impunes ao fornecer produtos de consumo de baixa qualidade e serviços inapropriados, ficarão à vontade para reduzir seus padrões pela perspectiva de lucros crescentes”.

Tendo em vista a inadequação do processo civil tradicional, mesmo após o advento de inovações como a ação civil pública, para a solução de lides de consumo, a ação penal passa a mostrar inúmeras vantagens frente a ação civil clássica, por exemplo, sua gratuidade, a intervenção economicamente desinteressada do Ministério Público, o mínimo esforço exigido do consumidor e, sobretudo, o fortalecimento do aspecto psicológico deste, o qual tem a sensação de possuir ao seu lado toda a estrutura estatal para vencer sua fragilidade frente ao fornecedor que é economicamente superior.

Na exegese da criminalidade de consumo a justiça criminal deve verificar que a quantidade de fraudes e abusos praticados contra consumidores que tem conhecimento é reduzida, em face do número de ofensas aos direitos dos consumidores que ocorrem diariamente no mercado de consumo. Destarte, a punição penal possui enorme valor educativo.

Tanto no nosso direito quanto no comparado, há uma má vontade em relação a utilização da esfera penal na proteção do consumidor e, de modo geral, na defesa do interesse dos direitos difusos e coletivos. Este fenômeno acontece no plano normativo, no sentido de que o legislador penal é pouco criativo na formulação de leis de defesa do consumidor; e no plano fático, diante de um certo receio da jurisprudência e dos demais órgãos de repressão penal, no que tange a aplicação das penas existentes.

São muitos os motivos para que a tutela penal do consumidor seja desempenhada dentro do modelo criminal clássico, dentre os quais podemos destacar: primeiro, pelo princípio da societas de linquere non potest vigente em nosso sistema infraconstitucional. Segundo, por ser o direito penal econômico uma ciência que começou a dar seus primeiros passos. Terceiro, porque a sociedade, incluindo-se todo o Poder Judiciário, o Ministério Público e os catedráticos de Direito Penal, tende a encarar com certa complacência os chamados crimes de “colarinho branco”, ao contrário o oposto do que ocorre com os crimes tradicionais. O infrator econômico possui um estigma de sucesso, esperteza, que é ressaltado pela impunidade, angariando até admiradores. Além disso, é mister ressaltar a inadequação do sistema de penas, com sanções irrisórias, assim como a desconfiança que o consumidor deposita na Justiça como um todo.

Os motivos acima citados fazem com que os consumidores fiquem relutantes em testemunhar ou denunciar tais práticas, ficando a fraude encoberta ou impune. Por outro lado, o fornecedor pode verificar uma maior lucratividade em pagar a multa do que cessar a prática ofensiva às relações de consumo.

Desta forma, é função da justiça criminal aplicar, com rigor e sem dúvida, as normas penais que preservem a transparência do mercado, até porque, a tutela civil do consumidor ainda se mostra precária, tamanha a disparidade entre ricos e pobres em nosso País, conjuntamente com seu subdesenvolvimento econômico. A atual complexidade das relações de consumo e do mercado, a dificuldade em se produzir a prova das infrações, a sofisticação dos infratores, a descrença dos consumidores, tornam maior e mais urgente a necessidade da pronta atuação da justiça criminal.

Apesar de não ser a única e nem mesmo a melhor protetora do mercado de consumo, a norma penal pode e deve ser uma realidade no sistema de proteção do consumidor, pois é o mecanismo de controle mais efetivo, uma vez que é o tipo de punição que o fornecedor mais teme.

Até a promulgação do Código de Defesa do Consumidor, em 1990, o direito do consumidor tinha pouca relevância perante o direito penal econômico brasileiro, tal situação, de certo modo, é escusável levando em conta que a norma penal econômica não surge por si só de valores e bens dignos de tutela, depende também da emissão de juízos normativos, anteriores e a ela externos, constitucionais ou legais, que antecipem tal valoração.

Por outro lado, jamais poderia deixar de interessar aos legisladores e estudiosos de Direito, o fato de que existia e existe em nossa legislação grande aparato legal, com determinação de inúmeros tipos penais econômicos de tutela da empresa, porém tenha esquecido por tanto tempo o consumidor, sujeito mais vulnerável do mercado e que realmente necessitaria de amparo.

Era evidente que tal carência tipológica especial não poderia se perpetuar. Atualmente, a situação é bem diversa, temos uma legislação de proteção ao consumidor extremamente moderna, além da multiplicação dos tipos penais e da doutrina sobre o tema. Em vários campos (civil, administrativo e penal), órbitas (incolumidade físico-psíquica, incolumidade econômica e exercícios de direitos) e prismas (preventivo, reparatório e repressivo) está o consumidor protegido no ordenamento jurídico brasileiro, tudo a demonstrar que o Direito Econômico nacional, em definitivo, abandonou sua parcialidade normativa, reequilibrando e assegurando legitimidade, no plano legal, à relação jurídica de consumo, como alicerce que é da economia de mercado e do regime jurídico que a informa.

É bom ressaltar que, não é de hoje que se tutela penalmente o consumidor, embora nem sempre a lei o denominasse como tal. Por exemplo, a Lei de Economia Popular faz referência ao “comprador” (art. 2º, incs. II, VIII e X), “freguês” (art. 2º, incs. II, IV e VII), “povo” (art. 2º, inc. IX e art. 3º, incs. I e IV), “indivíduo” (art. 2º, par. Único), “interessado” (art. 3º, inc. IX), “parte” (art. 4º, alínea “b”) e até “sócio” (art. 3º, inc. X).