Geral / 2 de agosto de 2018

Alguns tipos penais referente às relações de consumo

A matéria em discussão, como visto, é por demais ampla pois, além dos delitos capitulados no próprio Código de Defesa do Consumidor, encontramos ainda outros previstos nas Leis nº 1.521/51, 4.591/64 6.766/79, 8.137/90, sem esquecer aqueles tradicionais do Código Penal, capitulados no Capítulo III, que trata “Dos Crimes contra a Saúde Pública”, dentre outras.

No Código de Defesa do Consumidor encontramos as infrações penais no Título II, que abrange os artigos 61 a 80, sendo relevante anotar que no primeiro destes é afirmado que os crimes praticados são “contra as relações de consumo” e não contra o consumidor, deixando claro o caráter supra individual das normas punitivas.

No que concerne as relações de consumo, são elas as que se estabelecem entre o fornecedor (art. 3º, CDC) e o consumidor (art. 2º, CDC), tendo por objeto produtos (art. 3º, § 1º, CDC) e serviços (art. 3º, § 2º, CDC).

Também é importante assinalar que referidas normas são, basicamente, tipos de perigo, sendo que, em regra, não há a necessidade de que haja a consumação de dano para a caracterização do delito. Com isto vemos a intenção do legislador em dar um caráter preventivo às normas tipificadas.

Além do que, referido artigo é expresso ao advertir que os delitos ali capitulados não excluem os do Código Penal e aqueles previstos em leis especiais, porém, se conflito houver, o mesmo será dirimido pelo princípio da especialidade.

Quanto aos delitos em si, aqueles capitulados nos artigos 63 e 64 dizem respeito as informações que devem ser fornecidas aos fornecedores, as quais, segundo determina o artigo 31 do CDC, devem ser “corretas, claras, precisas, ostensivas e em língua portuguesa sobre suas características, qualidades, quantidade, composição, preço, garantia, prazos de validade e origem, entre outros dados, bem como sobre os riscos que apresentem à saúde e segurança dos consumidores”.

Por seu turno, os artigos 66, 67, 68 e 69 tratam das questões da publicidade, devendo quanto a questão da abusividade e enganosidade ser observado o disposto no artigo 37, do CDC e, quanto a organização dos dados fáticos (art. 69), o determinado no parágrafo único, do artigo 36, do CDC.

Já os artigos 72 e 73 tratam da relevante questão das informações acerca do consumidor em bancos de dados, sendo importante lembrar que no caso de inviabilidade administrativa, o consumidor poderá se valer do remédio constitucional do Habeas Data previsto no artigo 5º, LXXII, da CF/88.

O artigo 65 trata da execução de “serviço de alto grau de periculosidade, contrariando determinação de autoridade competente”. Houve forte crítica ao dispositivo, pois, segundo alguns autores, o mesmo feriria o disposto no artigo 5º, XXXIX, da CF/88 (“não há crime sem lei anterior que o defina, nem pena sem prévia cominação legal”). Se aplica para os casos em que sua prestação, por possuírem periculosidade inerente exacerbada, exigem atenção e cuidados especiais, como por exemplo a dedetização, parques de diversão, escolas de paraquedismo, transporte aéreo.

Já o artigo 70 é claro, posto que o fornecedor será responsabilizado por contrariar a determinação contida no artigo 21, do CDC.

Por fim, no que concerne aos fatos típicos, temos a figura do artigo 71, do CDC, que sanciona a utilização de “ameaça, coação, constrangimento físico ou moral, afirmações falsas, incorretas ou enganosas ou de qualquer outro procedimento que exponha o consumidor, injustificadamente, a ridículo ou interfira com seu trabalho, descanso ou lazer”. Esta figura corre sério risco na Câmara dos Deputados, onde existe proposta legislativa de sua supressão.

Conforme já dito, outros diplomas legais contemplam penas pelo desrespeito as relações de consumo, sendo de fundamental importância referir ao artigo 7º da Lei 8.137/90, do qual aponta-se os incisos II, III e IX, como os mais relevantes, frente a sua relação com produtos alimentícios, cuja ingestão poderá causar sérios riscos a saúde do consumidor. Para a correta compreensão destes dispositivos é curial se ter em mente o disposto no artigo 18, § 6º do CDC.

Os produtos deteriorados são aqueles vulgarmente denominados “estragados” por causas naturais ou indiretamente relacionadas com o comportamento humano (má conservação, transcurso do tempo). Os produtos alterados, são aqueles que tiveram modificadas parcial ou totalmente, as suas qualidades físicas, químicas e ou nutritivas, com intervenção humana direta, proposital ou involuntária, seja por negligência, ignorância, desleixo ou desobediência às normas estabelecidas durante as etapas de processamento, conservação ou armazenamento do alimento. Nem sempre as alterações ocorridas desvalorizarão o produto aos olhos do consumidor, mesmo assim ofendem a lei. Ex. leite azedo, por falta de refrigeração.

A corrupção e a adulteração são proibidas per si e estão quase sempre conectadas a comportamento fraudulento. São exemplos característicos a adição de milho, cevada, cascas e paus no café moído para aumentar o volume e peso; a adição de óleos vegetais em azeite “puro” de oliva; a substituição da farinha integral e de centeio por açúcar caramelizado e remoído em “pães integrais” ou “pães de centeio”. Um exemplo de adulteração por recuperação fraudulenta de alimentos é o caso de adição de corantes em carnes com coloração indesejável, aplicação de óleos em feijão velho, pincelagem nas guelras de peixes alterados com corantes ou mercúrio cromo para “recuperar” aspecto de recém-pescado.

Algumas adulterações ou corrupções podem trazer enorme risco à saúde e a segurança do consumidor. Produtos falsificados são os que apresentam a aparência de um produto legítimo, genuíno, protegido ou não por marca registrada e se denominam como estes, sem sê-los, para ludibriar a qualidade, a quantidade, a apresentação, a procedência e a propaganda. Referem-se à fraude pura. São exemplos de fraudes por falsificação a comercialização de bebidas nacionais como sendo estrangeiras; venda de carnes de 2ª ou de 3ª como sendo de 1ª; peixes de categoria inferior vendidos como peixes finos; glicose sob a designação “mel de abelhas”; pesagens em balanças não aferidas corretamente ou emprego de pesos viciados; incorporação de água em camarões congelados, para dar-lhes a aparência de graúdos.

Os produtos nocivos à vida ou à saúde, assim como os perigosos, são aqueles portadores de vício de qualidade por insegurança. Estão aí incluídas as carnes portadoras de cisticercos; leite in natura contaminado pela bactéria da tuberculose, brucelose ou toxoplasmose; alimentos contaminados por bactérias causadoras de toxinfecção alimentar (botulismo, salmonellose, etc.); alimentos contaminados por elementos químicos (intoxicação por inseticidas, pesticidas, mercúrio, chumbo, estanho, cobre e nitritos).

Quanto as incorporações temos o artigo 32 da Lei 4.591, que determina que antes da comercialização das unidades autônomas é obrigatória a incorporação da obra, exigindo em seu parágrafo 3º, que todo e qualquer anúncio, impressos, publicações, propostas, contratos, preliminares ou definitivos, referentes à incorporação, salvo os anúncios “classificados” deverão conter o número da incorporação e a indicação do cartório respectivo.

O artigo 65 da Lei determina ser “crime contra a economia popular promover incorporação, fazendo, em proposta, contratos, prospectos ou comunicação ao público ou aos interessados, afirmação falsa sobre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais do terreno ou sobre a construção das edificações”, prevendo uma pena de reclusão de 1 a 4 anos e multa de 5 a 50 vezes o maior salário mínimo vigente no país. O parágrafo 1º deste artigo afirma que incorrerão na mesma pena “o incorporador, o corretor e o construtor, individuais, bem como os diretores ou gerentes de empresa coletiva, incorporadora, corretora ou construtora que, em proposta, contrato, publicidade, prospecto, relatório, parecer, balanço ou comunicação ao público ou aos condôminos, candidatos ou subscritores de unidades, fizerem afirmação falsa sobre a constituição do condomínio, alienação das frações ideais ou sobre a construção das edificações”.

Dentre outros, merece registro duas contravenções penais criadas na referida lei. A primeira, prevista no inciso I, do artigo 66, que pune a conduta de “negociar o incorporador frações ideais de terreno, sem previamente satisfazer às exigências constantes desta lei” e, o inciso VI, que prevê como fato punível “paralisar o incorporador a obra, por mais de 30 dias, ou retardar-lhe excessivamente o andamento sem justa causa”, tendo ambos os casos a previsão de pena de multa de 5 a 20 vezes o maior salário mínimo vigente no país.

Por fim, no tocante aos loteamentos e desmembramentos, dispõe o artigo 50, da Lei 6.766/79 que “Constitui crime contra a Administração Pública:

  • “I – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem autorização do órgão público competente, ou em desacordo com as condições desta lei ou das normas pertinentes do Distrito Federal, Estados e Municípios;
  • II – dar início, de qualquer modo, ou efetuar loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos sem observância das determinações constantes do ato administrativo de licença;
  • III – fazer, ou veicular em proposta, contrato, prospecto ou comunicação ao público ou a interessados, afirmação falsa sobre a legalidade de loteamento ou desmembramento do solo para fins urbanos, ou ocultar fraudulentamente fato a ele relativo.

Pena: reclusão, de 1(um) a 4 (quatro) anos, e multa de 5 (cinco) a 50 (cinquenta) vezes o maior salário mínimo vigente no país.”

Finalmente, o artigo 52, do mesmo codex prevê a responsabilização do Oficial de Registro, tipificando: “Registrar loteamento ou desmembramento não aprovado pelos órgãos competentes, registrar o compromisso de compra e venda, a cessão ou promessa de cessão de direitos, ou efetuar o registro de contrato de venda de loteamento ou desmembramento não registrado”.