Geral / 1 de agosto de 2018

Cláusulas Essenciais nos Contratos Internacionais

CLAUSULAS ESSENCIAIS NOS CONTRATOS INTERNACIONAIS

CLÁUSULAS DE GARANTIA  

Um dos mais notórios conhecedores da matéria em voga, o jurista IRINEU STRENGER, quando em sua obra “Contratos Internacionais do Comércio” (RT, 1992), aborda a temática acerca de quais seriam as cláusulas realmente essenciais nos contratos internacionais, cita, como de fundamental importância, a Cláusula de Garantia, pois, segundo ele, “sua eficácia, maior ou menor, é que determinará a boa execução e cumprimento das obrigações acordadas”.

É pacífico na doutrina que não existe contrato internacional sem a previsão de alguma forma de garantia. E a prática comercial internacional tem aceito e utilizado, dependendo da atividade negocial às quais se vinculam, em especial, as garantias pertinentes a qualidade do produto e/ou serviço, atestadas por meio de processos certificadores (p. ex. ISO 9001); e as bancárias, cujas modalidades são de número cada vez mais variado. A Câmara de Comércio Internacional de Paris estabeleceu, em suas Regras Uniformes, três tipos de garantias:

  • Garantia de licitação: em razão da qual o garantidor se obriga a realizar o desembolso em favor do beneficiário, no caso do ordenador deixar de cumprir as obrigações derivadas da oferta;
  • Garantia de boa execução: mediante a qual o garantidor se obriga a realizar desembolso em favor do beneficiário, ou, se a garantia prevê e por escolha do garantidor, assegurar a execução do contrato no caso de o ordenador não cumprir devidamente o celebrado com o beneficiário;
  • Garantia de reembolso: em razão da qual o garantidor se obriga a realizar o reembolso, no caso de o ordenador não pagar, de acordo com as condições do contrato celebrado, entre o dito ordenador e o beneficiário, a quantia ou quantias adiantadas ou pagas pelo ordenador, e não abonadas por outros.

Importante salientar que toda a Cláusula de Garantia deve ter o cuidado de não se chocar com as normas de direito imperativo da lei e, dentro do possível, ajustar-se ao espírito de regulação comercial internacional, sempre deixando muito claras as vias de solução de eventuais conflitos.

O comércio internacional revela, do ponto de vista dos operadores, preferência por seguranças, dentre outras, pela caução, stand by letter of credit, boleta de garantia, cujo uso se alastrou não somente nas relações industriais e comerciais, como também nos financiamentos. É típico constatar, num crédito comprador, o banco assegurando sua posição em certos casos por uma caução, e em outros, por uma garantia em sentido estrito.

Outra característica do tipo tradicional de garantia é o compromisso vinculante do fiador, ou garantidor, com o beneficiário, no sentido de cumprir as obrigações do ordenador, se este não as cumpre. O fundamental é que, uma vez satisfeitas as condições, é vinculante e executória a obrigação do garantidor. Essa situação não se modifica, mesmo que a garantia seja parcial, ou seja, que se aplique a uma só parte da obrigação do ordenador.

Atualmente, o protótipo da garantia preferida pelo beneficiário é a chamada à primeira solicitação, isto é, aquela que possibilita o pagamento automático desde que solicitado da parte do beneficiário, também chamada por alguns de garantia automática.

Por fim, dentro de uma visão amplificada das garantias, verifica-se que se operam de dois modos, a saber: insitamente aos contratos; ou por meio de cláusulas acessórias, documentalmente vinculadas.

 CLÁUSULA DE FORÇA MAIOR E CLÁUSULA DE HARDSHIP

A prática do comércio internacional, como se tem percebido, não dispensa por motivo de segurança contratual às partes, a perfeita elucidação dos motivos que de alguma maneira possam vir a influir, ainda que independentemente da vontade das partes, na eventual inexecução do pacto convencionado.

De um modo geral, em um contrato internacional, as partes assumem a responsabilidade pela inadimplência ou defeituosa execução do contrato, isentando-se do dever de indenizar apenas nas hipóteses de força maior.

Na verdade, como o próprio nome já fomenta, a Cláusula de Força Maior diz respeito às chamadas cláusulas exoneratórias da responsabilidade, cláusula freqüentemente encontrada nos contratos internacionais, mas que, contudo, pode suscitar inúmeras controvérsias, basicamente ante a forma de interpretação que se fará ao caso concreto, se extensiva ou restritiva.

As definições mais singelas da força maior, proferidas por inúmeros estudiosos, vinculam-na aos fenômenos da natureza, às guerras, à situação política, com pequenas variações nos textos, mas sempre em torno dessas realidades que não têm sido, porém, suficientes para satisfazer muitos dos prejudicados que acabaram alargando a discussão jurisprudencial do problema.

Do ponto de vista prático, os contratantes e os assessores jurídicos buscam incessantemente fechar o cerco da exoneração da responsabilidade, procurando ser cada vez mais cristalinos e taxativos na enumeração das reais circunstâncias exoneratórias de responsabilidade.

No âmbito das cláusulas exoneratórias de responsabilidade, aparecem algumas variantes, que sutilmente são chamadas Cláusulas de Revisão, e que também podem decorrer da impossibilidade de executar um contrato. Essa variante da força maior tem sido chamada de Hardship.

Todavia, para que essa cláusula funcione perfeitamente, será necessário que o acontecimento esteja fora do controle da parte que o invoca, e que essa tenha sido prudente e diligente, onde os resultados sejam fundamentalmente diferentes daqueles previstos; ou, ainda que cumulativamente, as despesas financeiras ultrapassem às previsões iniciais relativamente à matéria objeto do contrato e, na falta de acordo, deve-se recorrer à arbitragem, a fim de dar eficácia à cláusula.

Geralmente a revisão não pode ser solicitada antes de certa data, ou mais de uma vez a cada dois anos. É o que se poderia chamar, por analogia, de cláusula rebus sic standibus. Entretanto, no plano dos contratos internacionais do comércio, usa-se a denominação de Cláusula Hardship, que seria uma complementação à Cláusulas de Força Maior, porque ao lado dos fenômenos naturais, ou administrativos, ou políticos, etc., essa cláusula interfere diretamente nos resultados econômicos do contrato.

Cláusula de Hardship e Cláusula de Força Maior são semelhantes à medida em que ambas devem ser imprevisíveis e inevitáveis, mas, enquanto a força maior torna, normalmente, impossível a execução do contrato, a circunstância hardship o torna substancialmente mais oneroso para uma das partes, ficando a economia do contrato afetada, porém, sendo possível ainda executá-lo.

Outra questão é de que ambas podem coexistir num mesmo contrato, impondo-se que essas duas cláusulas sejam redigidas de maneira perfeitamente coordenada, e sua articulação deve ser minuciosa, em particular, se as condições da força maior são abrandadas ao nível da impossibilidade de execução.

CLÁUSULA COMPROMISSÓRIA

Também conhecidas como Cláusula Arbitral, não são poucos os organismos internacionais que recomendam às partes sua inserção no contrato internacional de comércio a ser firmado, cuja eficácia vigora a partir do momento em que nasce a divergência ou o litígio, prevendo-se a solução arbitral a cargo de determinada entidade.

Todavia, mister se faz ressaltar que os direitos de certos Estados dispõem que as partes devem estabelecer no contrato, expressamente, que aceitam Cláusula Arbitral e deve ser particularizada de acordo com alguns critérios legais. Além disso, as instituições arbitrais têm admitido que as partes estipulem, na Cláusula Arbitral, qual o direito nacional aplicável ao contrato.

A utilização e aplicação da arbitragem comercial internacional no âmbito do comércio exterior ainda encontra alguns obstáculos, dentre os quais cita-se, nas palavras de IRINEU STRENGER (Ob. Cit.).

  • a) Validade do pacto arbitral – o compromisso ou cláusula compromissória é questionada em certos países, porque importaria em subtração das partes ao poder jurisdicional do Estado onde uma delas seja domiciliada, ou o contrato haja sido firmado, ou ainda a obrigação deva ser cumprida, ou finalmente em cujo território esteja a coisa objeto da controvérsia. Algumas legislações contém disposições restritivas que afetam a eficácia do pacto arbitral, quando uma das partes não o cumpre voluntariamente, obrigando a outra parte a pedir o reconhecimento e a execução do laudo no país do domicílio do devedor ou da situação da coisa.
  • b) Exeqüibilidade da cláusula compromissória – é afetada quando não possui todos os elementos exigidos pela legislação doméstica para valer como compromisso, tal como a indicação do nome dos árbitros ou a delegação a terceiro para que o designe. Algumas legislações compelem a parte faltosa a cumprir a cláusula compromissória, dando ao juiz competência para nomear o árbitro, ou, se não houver acordo, escolher o desempatador, ou ainda suprir omissão formal. Outras legislações, por considerar a cláusula compromissória como mera obrigação de fazer, seu descumprimento acarretará apenas condenação em perdas e danos.
  • c) Processo arbitral aplicável, na hipótese de não haver indicação da sede da arbitragem, legislação ou normas processuais de organização internacional – uma alternativa seria recorrer ao Direito Internacional Privado.

Já as vantagens da arbitragem, normalmente, são focadas em comparação com o procedimento jurisdicional estatal. Os participantes do comércio internacional temem, justamente, o procedimento e o juiz estatal. O procedimento por seu ritualismo; sua publicidade; sua lentidão e seu custo. Temem aos juízes, por sua falta de tempo, de especialização para resolver os casos, e por sua identificação nacional com uma das partes no litígio. Temem, portanto, a sentença, geralmente de longa duração e improvisado desenlace, tecnicamente incorreta, na qual predominam as considerações domésticas. De outro lado, resta cediço, através da experiência internacional, que o procedimento arbitral é flexível e rápido. E, por ser conduzido com discrição, por razões mercantis e fiscais, interessa grandemente às partes, além do mais seu custo, em números relativos, é menor.

 CLÁUSULA DE JURISDIÇÃO

Acerca dessa cláusula, importante asseverar que um contrato internacional que seja omisso quanto a atribuição da jurisdição é falho e sujeito a severos contratempos, especialmente porque, na prática, o problema jurisdicional tem estimulado múltiplos litígios.

De sorte então que a necessidade de estipulação de Cláusula de Jurisdição nos contratos internacionais torna-se imprescindível. Notadamente pelo fato de que sabe-se que existem dois modos contenciosos possíveis para regular os conflitos: o recurso às cortes estatais; e o recurso à arbitragem, que tem sido mais freqüentemente utilizada no âmbito internacional.

Assim, tem prevalecido entre os comerciantes internacionais, o consenso de que as pendências subordinadas a decisões arbitrais se dirimam de acordo com os regulamentos das entidades que mantém essa atividade jurisdicional, podendo assim, a sede dessas organizações tornar-se o elemento de conexão designador, não só do procedimento, como do direito a ser aplicável, sempre que não hajam os interessados estabelecido diferentemente, com apoio no princípio da autonomia da vontade.

Quanto à escolha da lei aplicável, os critérios de utilização não podem fugir de certo empirismo, pois não é possível conceber-se que todos os sistemas jurídicos possam ser familiares aos juristas que enfrentam essa questão. E, admitindo que o exercício da autonomia da vontade pode levar as partes a escolher até mesmo terceiro país para tutelar sua relação jurídica, devem os interessados esforçar-se por conhecer, ao máximo possível, a legislação estatal escolhida.

Destarte, adquire especial importância a Cláusula de Jurisdição, atributiva de competência, principalmente se as partes não convencionaram a arbitragem ou a ela renunciaram, aceitando que suas diferenças sejam julgadas pelos tribunais comuns.

Na hipótese dos contratantes não estabelecerem explicitamente a que regras legais se subordinarão, e nem designarem jurisdição competente. Essa lacuna contratual poderá apresentar inconvenientes no momento do litígio, podendo, em face dessa ocorrência, o proponente da ação utilizar os expedientes processuais originários de sua própria lei, em que pese a possibilidade de ocorrer conflito de competências. Assim, para se evitar essa contingência, seria de todo prudente incluir no contrato internacional a chamada Cláusula Atributiva de Competência, que determina, implicitamente, a jurisdição competente, e também chamada de Cláusula de Prorrogação Voluntária da Competência ou Cláusula de Eleição de Foro.

 INCOTERMS

Na verdade não são cláusulas, mas sim regras internacionais de natureza facultativa, que visam harmonizar os negócios internacionais, dando aos seus partícipes maior solidez relativamente aos diferentes entraves que surgem inevitavelmente no processo comercial.

Assim, fulcrados nessas normas de caráter uniformizador, os comerciantes internacionais não só impõem às suas atividades maior segurança, como evitam as incertezas decorrentes das diversidades dos diferentes países.

Sua origem remonta a Câmara de Comércio Internacional de Paris, no ano de 1936, e foi inspirada nos seguintes princípios fundamentais (IRINEU STRENGER, Ob. cit.).

  • a) as regras visam a definir, com o máximo de precisão, as obrigações das partes;
  • b) essas regras foram estabelecidas segundo as práticas mais correntes do comércio internacional, justamente para que pudesse ser utilizada pelo maior número possível de negociantes;
  • c) nos casos em que as práticas correntes usuais acusassem divergências notáveis, manter o princípio de que o preço estipulado no contrato concluído compreenderá as obrigações mínimas do vendedor, ficando as partes livres de estipular, nos seus contratos, se o desejassem, compromissos além daqueles previstos na série de regras oferecidas.

Outra observação importante é que os comerciantes, ao adotar essas regras nos seus contratos, não devem perder de vista que elas se aplicam unicamente às relações entre vendedor e comprador, e que nenhuma de suas disposições afeta diretamente ou indiretamente as relações de um ou outro com o transportador, que são definidas no contrato de transporte.

 CLÁUSULA DE ESTABILIDADE DA MOEDA

Esta é outra importante cláusula que deve constar dos contratos internacionais, também pode ser denominada de fixação do preço. Isto porque, dependendo da política e filosofia adotada pelos governos, na regulação do comércio exterior, as moedas locais podem sofrer variações em relação a outras moedas dominantes, que, por força de fatores econômicos internacionais, ditam e estabelecem as relações de valor e as proporcionalidades que possam configurar e concretizar os almejados equilíbrios do processo metalista.

De todos os contratos internacionais, o que mais preocupa, no aspecto relativo à fixação do preço, é a venda internacional, na qual as figuras do vendedor, comprador e garantidor vinculam-se necessariamente à chamada Cláusula de Estabilidade da Moeda, além de ser indispensável estabelecer a relação entre unidades monetárias e unidades da mercadoria, objeto do contrato.

Apesar de tudo que se tem dito e feito acerca da precisa fixação do preço, em face das flutuações monetárias nos vários países, é um assunto longe de restar pacificado, podendo a capacidade criativa de cada comunidade comercial, ou simples partes interessadas, adaptar-se às peculiaridades de seus negócios e transações, elaborando os mecanismos de defesa que parecem mais seguros para resguardar seus interesses.

CLÁUSULA PENAL

A Cláusula Penal é outra de grande relevância e utilização no âmbito dos contratos de comércio internacional. Isto porque é de extrema eficácia, conduzindo à sanção os comportamentos incondizentes com os ajustes contratuais.

É uma cláusula cuja redação é amplamente aberta ao espírito de criatividade do jurista, cabendo-lhe adaptá-la a toda uma série de situações específicas, em relação às quais pretenda cobrir sua empresa, portanto, são extremamente diversificadas, sendo praticamente impossível pensar-se em um standard.

Outra característica que se verifica, é que tem amplo espectro jurídico no campo internacional, e sua extensão dispositiva nos contratos é de livre estipulação pelas partes, salvo se contrária à ordem pública interna e internacional. Todavia, tem sido fartamente admitido que a Cláusula Penal não está sujeita, em princípio, a limitações, subordinando-se à criatividade das partes, de acordo com suas conveniências e peculiaridades do negócio.

SEGUROS

O papel do seguro na esfera internacional é importante e tem alta significação no contexto contratual, não só como cláusula incorporada ao regime protecional das partes, como tem significação de estrutura própria no plano geral das convenções privadas e públicas.

A necessidade de estipulação de seguro nos negócios internacionais decorre da necessidade de salvaguardar as partes dos riscos inerentes em contratos de grande envergadura. É o caso, p. ex., dos chamados riscos de danos da obra, riscos de responsabilidade, riscos contratuais, também, e principalmente, a necessidade de amplas coberturas, que somente podem efetivar-se por meio da cláusula de seguro.

Frise-se que nos contratos internacionais do comércio, certas garantias devem ser oferecidas obrigatoriamente por aplicação da chamada lei do país do risco. Outras decorrem de contratos de seguros suplementares, destinados a cobrir riscos por danos no curso do transporte, danos à obra no curso da construção, e riscos de responsabilidade civil de intervenientes sobre o canteiro de obras.

É evidente que todos esses contratos, não incluindo os obrigatórios, comportam cláusulas de limitação quanto ao montante das garantias e exclusão geográfica. Assim, pode-se concluir que a obrigatoriedade do seguro pode decorrer de força legal ou contratual.

CONCLUSÃO

A questão que pretende-se analisar no presente trabalho – Cláusulas Essenciais dos Contratos Internacionais – deriva da grande atividade comercial internacional imposta ao mundo moderno, especialmente nos dias atuais, em face da globalização.

Note-se, igualmente que a própria natureza da lex mercatoria tem estimulado o desenvolvimento de novas cláusulas, por vezes desconhecidas do mundo jurídico, mas necessárias comercialmente ante as particularidades de cada negócio jurídico.

Destarte, vislumbra-se que o comércio internacional, ante o fenômeno da globalização, tende a harmonizar suas normas de condutas, seguindo um padrão mais standardizado com o cristalino objetivo de facilitar e agilizar as operações negociais, além de buscar uma rápida solução na hipótese de conflitos.

Para tanto, a comunidade internacional, através de seus vários organismos governamentais e não governamentais, estipularam como de fundamental importância a inserção dessas cláusulas em todo e qualquer contrato internacional.